saudando
seus antecessores na cadeira de número 1 da Academia de Letras de Brasília,
o patrono
Esaú Marques Guimarães e
seu
primeiro ocupante Argemiro José Cardoso,
na Sala Camões da Embaixada de Portugal no luar
do dia 27 de setembro de 2012.
Senhor José Carlos Gentili, Presidente
da Academia de Letras de Brasilia; querido padrinho Amador de Arimathéa, raro e
subido homem; estimado Acadêmico Fontes de Alencar que me acolheu com tanta
bondade; Confrades, Confreiras acadêmicos, Cristina, Thaís, Mariana, Emanuel,
Françoise, Paula, meus familiares e queridos companheiros de travessia de vida.
Saúdo meus antecessores na cadeira de
número 1 da nossa Academia: O Patrono Esaú Marques Guimarães e Argemiro José
Cardoso, seu primeiro ocupante.
Anuncio! : Esaú e Argemiro são como a terra e a
árvore que estarei doravante a sombra.
Tal qual um
pé de ipê, Argemiro resplandece florido nas nossas mentes. Nossa admiração pela
florescência nos leva a pensar na origem desta cadeira, no seu protetor, no
patrono. Nesta volta em busca da semente
da árvore Argemiro, encontramos quem?
Justo, achamos Esaú Marques Guimarães. Na busca para elucidar a relação entre
Esaú e Argemiro, constatamos que são da mesma terra, e que Esaú é um poeta
regional, morrido em 1942. Quem mais poderia propô-lo como patrono senão um
filho terra? Possivelmente foi o desejo de Argemiro que tornou Esaú o patrono
da cadeira número 1 desta Academia.
Os poetas
nunca morrem. Eles se exilam dentro de nós. Tornam-se parte da gente, constituindo
nossas mentes e corações. E nós os passamos para aqueles que amamos. Assim, Argemiro
aceitou Esaú no seu coração e integrou o romantismo, a poesia telúrica e o saudosismo
e agora, por nossa parte, também os tomamos dentro de nosso sentir.
Esaú Marques Guimarães tem uma
tendência ao elogio simbólico do amor do homem a sua terra. Essa terra se relaciona com o amor da mãe por
seu filho que lhe quer eternamente, criando uma dívida impagável para o filho. Esaú
assumiu uma posição apologética à terra natal, Goiandira - Goiás. Em um pequeno
trecho do Hino à sua cidade vibramos com seu patriotismo inocente e sincero:
Tuas
matas verdejantes
Os
teus campos multicores
Tua
fauna e tua flora,
Expressando
teus valores.
Tua
terra é um alvo manto
A
mirar um céu de anil.
Goiandira,
eterno encanto
De
Goiás e do Brasil.
Duas matérias constituem esta cadeira.
Na horizontal temos a terra, o Goiás que o DF se construiu em cima, e que
chamamos de Esaú. A segunda matéria é vertical indo das profundezas ao infinito
e a chamamos de Argemiro. Assim, temos a semente na terra horizontal e a árvore
na vertical. Uma tese acerca da árvore frondosa que é a poesia de Argemiro
emerge e dizemos: Argemiro é maior
que a sua própria vida e ele perfez o mito do herói.
É deste Goiás profundo, como se fosse o
eterno útero de Brasília que surge Argemiro. Perguntamos:
Quem saiu de Goiandira, passou pela
Escola Tecnica de Goiânia e começou efetivamente a deixar para trás a idéia que
nós brasileiros, segundo frei Vicente do Salvador, contentávamos a "andar
arranhando ao longo do mar como caranguejos"? Argemiro Cardoso,
como um bandeirante arquetipicamente renovado!
Quem aqui já estava, na solidão do planalto
central, além dos cupins e zebús que miravam os raros transeuntes? Nosso
Argemiro!
Quem aqui estava, debaixo de lamparinas
e archotes, implantando os postes da DEFELE, companhia de energia, enfrentando
o toá que resistia às picaretas e a picaretagem? Quem? Nosso Argemiro, agora
candango!
Quem estava com a mão no disjuntor
fechando a corrente para iluminar e dar eletricidade a Brasília no primeiro
momento de vida desta cidade e cercanias, fazendo melhor que um Indiana Jones?
Acertaram, era o nosso Pioneiro!
Quem abandonou cargos políticos e
possibilidades de alto rendimento para se dedicar a formar universitários na
incipiente UnB? Miraram bem, era o nosso Argemiro!
Notaram? Todo herói tem tendência a ser
número 1.
Insistimos, quem criou a cadeira número
1 e estava na fundação da Academia de Letras de Brasília desde sua primeira
respiração? Quem mirou em Argemiro acertou novamente!
O herói romântico nunca esquece de onde
veio, mesmo que seja através de saudosismo como vemos em seu poema Argumentos
poéticos:
Se
aparecer um beija-flor na janela,
Sorria
e verá que ele bailará por mais tempo.
(...)
É que eu não morrerei
Enquanto
meus versos forem lidos
Por
uma pessoa de minha terra.
Temos aqui um aspecto que chamamos de participativo no romantismo do herói. Na participação o sujeito se
projeta na cena, no objeto fascinante, tornando-se em uníssono com o mesmo. Ele
preenche a fórmula que gosto de chamar de John Wayne, wild (selvagem) bold
(intrépido) e romantic (romântico).
Uma vislumbre de Gonçalves Dias aparece
em Argemiro em Terra – Paraíso Cósmico quando diz:
Os
verdes só aqui medraram
os azuis só nosso céu bordaram
os pássaros só aqui habitaram
os humanos só aqui povoaram
as cascatas só aqui cantaram.
os azuis só nosso céu bordaram
os pássaros só aqui habitaram
os humanos só aqui povoaram
as cascatas só aqui cantaram.
Eis a impulsão romântica heróica conduzindo-o
para ser uma pessoa participativa!
Todavia sua obra é
mutifacetada diferenciando-se ao longo da sua existência. Em uma estrofe
seguinte, surge uma ironia sarcástica, evidenciando que nosso poeta começou a
ser crítico do seu próprio heroísmo romântico. Aparece o contrário da
participação, ou seja a distância, o
recuo, o pensar. O heroísmo toma doravante uma feição contestatória como nos versos:
Mas, só aqui as injustiças perduraram,
as incompetências sempre governaram
e, por egoísmo, os homens estragaram
esse paraíso cósmico que ganharam.
Com o passar da idade é anexado o
aspecto crítico, ficando mais complexa sua obra. Se ele era participativo,
telúrico, intrépido, fazendo e mudando a
realidade ativamente, agora ele desenvolve uma expressão crítica idealista, aparecendo
um ser civilizado, urbano, delicado e sublimado, inspirado no culto ao amor e
da amizade idealizada. O intrépido se faz delicado e voltado para o alto, o
romântico em sublimado, e a ação em memória gigantesca se projeta no infinito.
Corresponde a dois aspectos – a
participação e a distância. Lembra Kant: “O dia é belo e a noite é
sublime”. O dia é participativo e a noite exige por falta de luz, um
pensar.
Só um herói como Argemiro pode tentar
ser sábio e expor então suas entranhas imolando-se, saindo do pulsional para o
sublimado.
Só um homem de coragem para também
crer, coisa que o envia para o futuro e passado longíquo, para a eternidade.
Deixemos o poeta aparecer em uma
estrofe do poema Vigília:
No umbral da eternidade
Para onde minha vida se
dirigia
Abri os olhos na noite,
fechei-os no dia
Para não ver a esquiva
felicidade
Que de mim se evadia.
(...)
Oh! E sinto a
impropriedade
De tudo que me
acontecia
Pois, aqui na
eternidade
Sabe-se: a vida é fantasia.
A oposição entre participação e distância está
destinada a ser ultrapassada. Ocorre a ruptura
das duas expressões quando da sua maturidade tornando sua poesia
existencial e psicológica. Temas como a eternidade, o sofrimento, o infinito e
o ser ocorrem amiúde. No seu poema mais conhecido, intitulado “Em busca
do último afago” vemos a ruptura tanto com o ideal participativo quanto
com o criticismo voltado para o exterior. O poeta volta-se para si-mesmo,
ganhando distância podendo ser então analítico. Ele diz:
Eu quero caminhar no passado
em sua companhia, mamãe, mas
vejo-me só, sempre sozinho.
em sua companhia, mamãe, mas
vejo-me só, sempre sozinho.
Menino franzino, descalço
a caminhar na escaldante
areia da estrada em busca da escola
o sol a pino castiga sua
cabeça raspada (...).
a caminhar na escaldante
areia da estrada em busca da escola
o sol a pino castiga sua
cabeça raspada (...).
Calça
curta de algodão
tecido na roça,
camisa de saco de açúcar. (...)
tecido na roça,
camisa de saco de açúcar. (...)
Que vale o menino subnutrido
de pés descalços, corpo franzino
que pisa na areia escaldante da
estrada em busca da escola de roça?
de pés descalços, corpo franzino
que pisa na areia escaldante da
estrada em busca da escola de roça?
Haveria, minha mãe querida,
escala de medida capaz
de indicar valor para ele?
escala de medida capaz
de indicar valor para ele?
Uma cena infantil remanesce na reminiscência da dura situação atual.
Hoje nesta noite pesada,
a desesperança me está conduzindo
para aquele tempo,
numa força insuperável!
(...)
a desesperança me está conduzindo
para aquele tempo,
numa força insuperável!
(...)
E finalmente o poeta Argemiro faz o fecho de ouro do poema,
reconhecendo seu percurso e que a
criança é o pai do adulto.
E, então, a qualquer porque
que volto aos nove anos, direi:
- Estou viajando nas minhas
tristezas ao encontro do
último afago que me fez a
minha mãe.
que volto aos nove anos, direi:
- Estou viajando nas minhas
tristezas ao encontro do
último afago que me fez a
minha mãe.
Argemiro buscou satisfazer
o desejo da sua mãe para receber amor em forma de afago e este gesto de amor ficou
perdido para todo o sempre. Neste homem subido vemos o reconhecimento do seu Édipo
complexo.
Afirmamos: de herói romântico Argemiro, com
este poema do afago, torna-se Sábio.
Explicitemos: O poeta se vê na cena
infantil, com a sua mãe. Ele não é mais somente participativo e crítico. Ele
ganha distância e vê a si mesmo na cena e na caminhada executada. Ele transfere
os afetos, os pensamentos para o menino que ele já não é. O menino apresenta-se
no grande desejo de cumprir o desejo da mãe, mas é, como toda criança,
extremamente frágil. Reconhece assim que não somos resistentes, somos seres
transitórios, voltamos facilmente para a situação do inorgânico caso insistamos
no heroísmo desbragado. Que coragem de expor suas próprias vísceras! Argemiro,
no seu imaginário, quis voltar a receber o afago da mãe e, pelo menos, vislumbrar
no olhar materno algo diferente da dura vida e da morte. Não obstante, Argemiro
não reclama da morte que se avizinha. Ele prossegue inefável! É assim o herói
renovado em Homem sábio.
O herói em geral sofre muito mas remanesce
fazendo seu sonho de que o dever ser
é mais importante do que o viver. Assim fazendo, ele se apresenta na sua toda
humanidade. Lembra a coragem de um Dostoievski quando inaugura o romance
psicológico. Igualmente relembra Freud, que mostrou seus desejos mais íntimos e
daí criou a psicanálise sem se esconder na hipocrisia inautêntica.
Concluo Senhor Mestre de Cerimônias.
Notaram?: Os ipês floriram mais
fortemente este ano. Dois deles que tenho no terreiro lá de casa, chamados
doravante de Esaú e Argemiro, disseram, depois de se abrirem em flor, que a
seca acabou, que a chuva chegou e que tudo
se renovou. E que também todos serão diferentes nas existências particulares
de cada ser do cerrado. Mais importante, nossa esperança rebrotou. Mais
importante pois a esperança é o desejo se efetivando no presente do indicativo.
Estes dias tenho encontrado
participativamente os dois poetas. Dei-me conversando com árvores..., coisa de
pessoas do mudo psi, mas também de todo mundo.
E se só eu senti a presença no ar do
nosso Argemiro… aquele que hoje fez o nosso Ar que geme e eu o miro, Argemiro,
tentando achá-lo no invisível. Digo então: Argemiro, obrigado por nos ter
oxigenado de amor gratuito. Argemiro, tu
és nossa inveja que se tornou só admiração logo que entendemos sua heroicidade e
seu devenir para sábio homem.
Agora, só me resta pedir a inscrição na
cadeira, dado que só temos o presente para mudar nossas vidas, pois o presente
controla o passado e por consequência a história. E o passado controla o futuro
pois este é concebido nas nossas mentes a partir da experiência passada. Portanto
aviso-lhes, acompanhado de Esaú e de Argemiro, que a chama da vida queima
rápido e só temos o presente momento para fazer nossa existência, de
preferência com equidade, fraternidade e liberdade.
Muito obrigado pela atenção!
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