Por Innocêncio Viégas[i]
Dia 20 de julho do ano
da graça de 2016, “Dia do Amigo”.
Telefonei para os mais próximos. Alguns
atenderam, outros estavam “ocupados”, e grande parte deles, viajando em férias,
me deixaram gravar a voz nas caixas postais dos telefones.
A manhã ainda era fria aqui nas
montanhas do Velho Duca e não me animei a ir ao pomar regar as plantas. O galo
“Cigano”, com o seu canto roquenho, tentava acordar o sol que, entre a névoa do
alvorecer, teimava em não sair dos braços de Morfeu, o deus dos sonhos.
O dia passou no mesmo diapasão de
sempre. A noite foi reconfortante e até sonhei com um velho relógio de parede
que fora do meu saudoso pai. No sonho o carrilhão marcava meia-noite completa.
No dia seguinte – 21 – o telefone me
tira do pomar onde aguava as plantas. Era o Eminente Irmão Robson Gouveia, que
me avisava do passamento do Irmão Júlio Capilé. Logo um frio glacial
percorreu-me a espinha dorsal, e o pensamento, como em um filme, me levou a ver
o Dr. Capilé nas suas horas de candura e em suas palestras e discursos
acadêmicos entre os seus pares e queridos Irmãos.
O pioneiro Dr. Capilé foi, sem dúvida,
um dos primeiros médicos da cidade em construção. Por suas delicadas mãos
nasceram centenas de crianças que viriam a ser os primeiros brasilienses da
cidade de J.K.
Nas suas conversas comigo contava-me
que inúmeras vezes o acordaram pela madrugada para socorrer uma parturiente que
necessitava dos seus serviços. Obstetra que era, ajudou a ver a luz os futuros
candanguinhos desta cidade monumento.
Capilé foi um mestre na Sublime Ordem,
na Academia Maçônica e também nas letras. Escrevia constantemente suas crônicas
para o jornal “O Progresso”, da cidade de Dourados – MS, nelas, era médico e
pajé ao mesmo tempo, pois assim como falava cientificamente das doenças,
ensinava remédios feitos com ervas e raízes. Romântico, vez por outra nos
brindava com o seu lado poético. Em uma de suas crônicas lembrou sua professora
em Ponta Porã: “Dona Jovelina Gomes era mansa como uma pomba e suave como a
brisa da primavera”.
No prefácio – Proêmio – de um dos seus
livros, o “Antigamente era assim”, escrevi: “Este homem que nasceu na roça, que
arrancava o “mate” com as mãos, hoje, do alto dos seus quase 100 anos, escreve
suas lembranças ao dedilhar um computador com a mesma perícia com que domava um
burro xucro, fazendo inveja aos meninos de hoje que só conhecem como diversão
os shoppings centers e a Internet”. Nesse livro ele seguia contando as suas
histórias e falando das coisas de antigamente, de tantas saudades.
O grande Cícero nos disse: “quando
morre um velho, se incendeia uma biblioteca”. Dr. Júlio era possuidor de uma
cultura religiosa e secular que variava do barroco ao clássico. Sendo um dos
expoentes da Comunhão Espírita de Brasília, levava sua palavra meiga e aliviava
o sofrimento dos Irmãos que o procuravam.
Pai de família exemplar. Com sua alma
gêmea, nossa cunhada Laís, com quem viveu por mais de 50 anos, teve duas filhas
– Betânia e Betsáida – que lhes deram netos e genros. Capilé era um eterno
enamorado, pois durante todo o tempo de sua convivência com Laís, oferecia-lhe
diariamente uma linda flor, querendo assim perfumar o amor que nutria por ela.
A vida tem seus caprichos. Aquele que
passou grande parte de sua existência ajudando crianças a chegarem ao mundo,
parte agora para a sua última viagem em direção ao Oriente Eterno, depois de
cumprir sua nobre missão.
A grande Mansão Celestial engalana-se
para receber o Irmão Capilé. Seus amigos e Irmãos preparam-lhe uma grande
recepção e receberão de suas mãos a flor que ele costumava colher todos os
dias.
A manhã continua fria e nebulosa. Lá no
jardim, um beija-flor solitário se encarrega de colher o néctar de todas as
flores, deixando intocada apenas uma, é a que representa o seu eterno amor por
Laís.
O Irmão Capilé é aquele beija-flor que
voa serenamente para a vida espiritual, deixando conosco a imortal rosa da
saudade.
Consumatum est.
[i] Teólogo – Escritor; Membro das academias: Acad. de Letras de
Brasília; Acad. Maçônica de Letras do DF; Acad. Maçônica de Letras Paranaense;
Acad. Maçônica de Letras e Artes do Brasil – GOB; Acad. Taguatinguense de
Letras; Confraria dos Amigos da Boa Mesa – COMES; Academia Maçônica de Letras
do Maranhão (correspondente); Academia Maçônica Internacional de Letras; ANE –
Associação Nacional de Escritores – CERAT. Email – inocencio.viegas@gmail.com