sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O vovô, o netinho e o vaga-lume

por Innocêncio Viégas

A vida nos reserva vez por outra, belos momentos. Dia primeiro de novembro de dois mil e
dezoito, da Era Vulgar, chovia a cântaros, e às três da tarde a energia elétrica despediu-se , nos deixando
sem as alegrias da TV e dos aparelhos eletrônicos dos meus netos, João Gabriel e Ana Bárbara, que se
embeveciam com as pequenas telas e seus desenhos.
Quando falta energia o mundo em nosso redor fica no maior silêncio. Volta a paz dos tempos de
antanho. As crianças procuram outros brinquedos para passar o tempo.
A tarde devagar se encaminhava para a noite e nada de a “luz” chegar. Às seis horas da tarde, já
escuro, fomos para o “coração da casa”, a cozinha. Café, leite quente, pães diversos, manteiga, queijo,
presunto, broas de milho, pão de queijo, e adultos e crianças na maior alegria degustando os acepipes à
luz de uma vela postada no centro da távola. A noite chegou. Escuridão total. Saí para a porteira do
Rancho para sentir no rosto a brisa que se arrastava sobre as árvores e as pequenas plantas do jardim da
Bel. Nisso, um pequenino ponto de luz entre as folhas de uma roseira despertou a minha atenção e vi o
que há muito não via. Era um solitário vaga-lume. Logo chamei o meu neto João Gabriel e a netinha Ana
Bárbara para olharem aquela raridade nos dias de hoje. O João veio correndo e a Aninha com medo,
correu para dentro de casa. Admirado, o João perguntou:

- Vô, o que é isso brilhando ali?
– É um inseto chamado vaga-lume, respondi. Você o conhece?
– Só conheço nos desenhos e na TV, respondeu-me.
O vaga-lume parecia ouvir a nossa conversa e logo saiu voando a desenhar com sua pequenina
lanterna, na página escura da noite sem lua e sem estrelas. Foi rabiscando fogo em todas as direções como
a agradecer a Deus pela momentânea falta de luz no poste dos bem-te-vis.

O João ficou embevecido com o acontecimento, enquanto o pequenino “vigia noturno” ia
fosforeando entre as flores e nos enchia de curiosidades, emoções e saudades das minhas noites de
criança, onde não havia luz elétrica e só o candeeiro à gás de carbureto da nossa casa iluminava o terreiro
onde brincávamos, e lá no escuro do mato, em redor das casas, os vaga-lumes faziam a sua festa
povoando com suas estrelas, o céu do campo florido da nossa infância.

Enquanto estávamos naquele devaneio e eu ia conversando com o João sobre os pequeninos
luminosos, a “luz” chegou e logo se ouviu aquele grito: Ooohhh! De toda a vizinhança. Pobre vaga-lume,
encerrou o espetáculo, apagou a lanterninha e recolheu-se ao seu lar entre os galhos perfumados de nossas
roseiras.
Foi um momento ímpar. O João com os seus nove anos, vendo um vaga-lume pela primeira vez,
e eu, aos oitenta e um, revivendo os momentos que tive quando da idade dele.
O nove é um número cabalístico e o oitenta e um também o é. Se somarmos o número 8 com o
número 1, teremos o mesmo número 9, então eu e ele temos a mesma soma de idades, nove anos.
O João foi para dentro da nossa casa, ele guardará na memória aquela pequenina lanterna que
vagamundeava na escuridão do espaço. Será para ele a lanterna intermitente que iluminará os seus
pensamentos de menino, pelo resto de sua preciosa e longa vida.

São duas vidas que seguem juntas: - uma no início – 9 anos – outra no ocaso – 81 anos – mas
ambas ainda vivendo experiências e saudades.

Voa vaga-lume, e vai iluminando a estrada de nossas vidas, vidas que seguem irmanadas na
escuridão passageira desta vida: - do vovô, do netinho, e de você também, fosforescente vaga-lume.
O bom Deus, nosso pai, disse:
– Faça-se a Luz!
E a luz foi feita.

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