sábado, 29 de setembro de 2012

Discurso de posse do Acadêmico Francisco de Melo Catunda Martins




saudando seus antecessores na cadeira de número 1 da Academia de Letras de Brasília,
o patrono Esaú Marques Guimarães e
seu primeiro ocupante Argemiro José Cardoso,
 na Sala Camões da Embaixada de Portugal no luar do dia 27 de setembro de 2012.


Senhor José Carlos Gentili, Presidente da Academia de Letras de Brasilia; querido padrinho Amador de Arimathéa, raro e subido homem; estimado Acadêmico Fontes de Alencar que me acolheu com tanta bondade; Confrades, Confreiras acadêmicos, Cristina, Thaís, Mariana, Emanuel, Françoise, Paula, meus familiares e queridos companheiros de travessia de vida.
Saúdo meus antecessores na cadeira de número 1 da nossa Academia: O Patrono Esaú Marques Guimarães e Argemiro José Cardoso, seu primeiro ocupante.

Anuncio! : Esaú e Argemiro são como a terra e a árvore que estarei doravante a sombra.

Tal qual um pé de ipê, Argemiro resplandece florido nas nossas mentes. Nossa admiração pela florescência nos leva a pensar na origem desta cadeira, no seu protetor, no patrono.  Nesta volta em busca da semente da árvore Argemiro,  encontramos quem? Justo, achamos Esaú Marques Guimarães. Na busca para elucidar a relação entre Esaú e Argemiro, constatamos que são da mesma terra, e que Esaú é um poeta regional, morrido em 1942. Quem mais poderia propô-lo como patrono senão um filho terra? Possivelmente foi o desejo de Argemiro que tornou Esaú o patrono da cadeira número 1 desta Academia.
Os poetas nunca morrem. Eles se exilam dentro de nós. Tornam-se parte da gente, constituindo nossas mentes e corações. E nós os passamos para aqueles que amamos. Assim, Argemiro aceitou Esaú no seu coração e integrou o romantismo, a poesia telúrica e o saudosismo e agora, por nossa parte, também os tomamos dentro de nosso sentir.
Esaú Marques Guimarães tem uma tendência ao elogio simbólico do amor do homem a sua terra.  Essa terra se relaciona com o amor da mãe por seu filho que lhe quer eternamente, criando uma dívida impagável para o filho. Esaú assumiu uma posição apologética à terra natal, Goiandira - Goiás. Em um pequeno trecho do Hino à sua cidade vibramos com seu patriotismo inocente e sincero:

Tuas matas verdejantes
Os teus campos multicores
Tua fauna e tua flora,
Expressando teus valores.

Tua terra é um alvo manto
A mirar um céu de anil.
Goiandira, eterno encanto
De Goiás e do Brasil.

Duas matérias constituem esta cadeira. Na horizontal temos a terra, o Goiás que o DF se construiu em cima, e que chamamos de Esaú. A segunda matéria é vertical indo das profundezas ao infinito e a chamamos de Argemiro. Assim, temos a semente na terra horizontal e a árvore na vertical. Uma tese acerca da árvore frondosa que é a poesia de Argemiro emerge e dizemos: Argemiro é maior que a sua própria vida e ele perfez o mito do herói.

É deste Goiás profundo, como se fosse o eterno útero de Brasília que surge Argemiro. Perguntamos:
Quem saiu de Goiandira, passou pela Escola Tecnica de Goiânia e começou efetivamente a deixar para trás a idéia que nós brasileiros, segundo frei Vicente do Salvador, contentávamos a "andar arranhando ao longo do mar como caranguejos"? Argemiro Cardoso, como um bandeirante arquetipicamente renovado!
Quem aqui já estava, na solidão do planalto central, além dos cupins e zebús que miravam os raros transeuntes? Nosso Argemiro!
Quem aqui estava, debaixo de lamparinas e archotes, implantando os postes da DEFELE, companhia de energia, enfrentando o toá que resistia às picaretas e a picaretagem? Quem? Nosso Argemiro, agora candango!
Quem estava com a mão no disjuntor fechando a corrente para iluminar e dar eletricidade a Brasília no primeiro momento de vida desta cidade e cercanias, fazendo melhor que um Indiana Jones? Acertaram, era o nosso Pioneiro!
Quem abandonou cargos políticos e possibilidades de alto rendimento para se dedicar a formar universitários na incipiente UnB? Miraram bem, era o nosso Argemiro!
Notaram? Todo herói tem tendência a ser número 1.
Insistimos, quem criou a cadeira número 1 e estava na fundação da Academia de Letras de Brasília desde sua primeira respiração? Quem mirou em Argemiro acertou novamente!
O herói romântico nunca esquece de onde veio, mesmo que seja através de saudosismo como vemos em seu poema Argumentos poéticos:

Se aparecer um beija-flor na janela,
Sorria e verá que ele bailará por mais tempo.
(...)

É que eu não morrerei

Enquanto meus versos forem lidos
Por uma pessoa de minha terra.
Temos aqui um aspecto que chamamos de participativo no romantismo  do herói. Na participação o sujeito se projeta na cena, no objeto fascinante, tornando-se em uníssono com o mesmo. Ele preenche a fórmula que gosto de chamar de John Wayne, wild (selvagem) bold (intrépido) e romantic (romântico).
Uma vislumbre de Gonçalves Dias aparece em Argemiro em Terra – Paraíso Cósmico quando diz:
Os verdes só aqui medraram
os azuis só nosso céu bordaram
os pássaros só aqui habitaram
os humanos só aqui povoaram
as cascatas só aqui cantaram.

Eis a impulsão romântica heróica conduzindo-o para ser uma pessoa participativa! Todavia sua obra é mutifacetada diferenciando-se ao longo da sua existência. Em uma estrofe seguinte, surge uma ironia sarcástica, evidenciando que nosso poeta começou a ser crítico do seu próprio heroísmo romântico. Aparece o contrário da participação, ou seja a distância, o recuo, o pensar. O heroísmo toma doravante uma feição contestatória como nos versos:

Mas, só aqui as injustiças perduraram,
as incompetências sempre governaram
e, por egoísmo, os homens estragaram
esse paraíso cósmico que ganharam.

Com o passar da idade é anexado o aspecto crítico, ficando mais complexa sua obra. Se ele era participativo, telúrico, intrépido, fazendo e mudando  a realidade ativamente, agora ele desenvolve uma expressão crítica idealista, aparecendo um ser civilizado, urbano, delicado e sublimado, inspirado no culto ao amor e da amizade idealizada. O intrépido se faz delicado e voltado para o alto, o romântico em sublimado, e a ação em memória gigantesca se projeta no infinito.
Corresponde a dois aspectos – a participação e a distância. Lembra Kant: “O dia é belo e a noite é sublime”. O dia é participativo e a noite exige por falta de luz, um pensar.
Só um herói como Argemiro pode tentar ser sábio e expor então suas entranhas imolando-se, saindo do pulsional para o sublimado.
Só um homem de coragem para também crer, coisa que o envia para o futuro e passado longíquo, para a eternidade.
Deixemos o poeta aparecer em uma estrofe do poema Vigília:


No umbral da eternidade

Para onde minha vida se dirigia

Abri os olhos na noite, fechei-os no dia
Para não ver a esquiva felicidade

Que de mim se evadia.
(...)
Oh! E sinto a impropriedade 

De tudo que me acontecia 

Pois, aqui na eternidade 

Sabe-se: a vida é fantasia.
A oposição entre participação e distância está destinada a ser ultrapassada. Ocorre a ruptura  das duas expressões quando da sua maturidade tornando sua poesia existencial e psicológica. Temas como a eternidade, o sofrimento, o infinito e o ser ocorrem amiúde. No seu poema mais conhecido, intitulado “Em busca do último afago” vemos a ruptura tanto com o ideal participativo quanto com o criticismo voltado para o exterior. O poeta volta-se para si-mesmo, ganhando distância podendo ser então analítico. Ele diz:
Eu quero caminhar no passado
em sua companhia, mamãe, mas
vejo-me só, sempre sozinho.
Menino franzino, descalço
a caminhar na escaldante
areia da estrada em busca da escola
o sol a pino castiga sua
cabeça raspada (...).
Calça curta de algodão
tecido na roça,
camisa de saco de açúcar. (...)
Que vale o menino subnutrido
de pés descalços, corpo franzino
que pisa na areia escaldante da
estrada em busca da escola de roça?
Haveria, minha mãe querida,
escala de medida capaz
de indicar valor para ele?
Uma cena infantil remanesce na reminiscência da dura situação atual.
Hoje nesta noite pesada,
a desesperança me está conduzindo
para aquele tempo,
numa força insuperável!
(...)

E finalmente o poeta Argemiro faz o fecho de ouro do poema, reconhecendo seu percurso e que a criança é o pai do adulto.
E, então, a qualquer porque
que volto aos nove anos, direi:

- Estou viajando nas minhas
tristezas ao encontro do
último afago que me fez a
minha mãe.
Argemiro buscou satisfazer o desejo da sua mãe para receber amor em forma de afago e este gesto de amor ficou perdido para todo o sempre. Neste homem subido vemos o reconhecimento do seu Édipo complexo.
Afirmamos: de herói romântico Argemiro, com este poema do afago, torna-se Sábio.
Explicitemos: O poeta se vê na cena infantil, com a sua mãe. Ele não é mais somente participativo e crítico. Ele ganha distância e vê a si mesmo na cena e na caminhada executada. Ele transfere os afetos, os pensamentos para o menino que ele já não é. O menino apresenta-se no grande desejo de cumprir o desejo da mãe, mas é, como toda criança, extremamente frágil. Reconhece assim que não somos resistentes, somos seres transitórios, voltamos facilmente para a situação do inorgânico caso insistamos no heroísmo desbragado. Que coragem de expor suas próprias vísceras! Argemiro, no seu imaginário, quis voltar a receber o afago da mãe e, pelo menos, vislumbrar no olhar materno algo diferente da dura vida e da morte. Não obstante, Argemiro não reclama da morte que se avizinha. Ele prossegue inefável! É assim o herói renovado em Homem sábio.
 O herói em geral sofre muito mas remanesce fazendo seu sonho de que o dever ser é mais importante do que o viver. Assim fazendo, ele se apresenta na sua toda humanidade. Lembra a coragem de um Dostoievski quando inaugura o romance psicológico. Igualmente relembra Freud, que mostrou seus desejos mais íntimos e daí criou a psicanálise sem se esconder na hipocrisia inautêntica.

Concluo Senhor Mestre de Cerimônias.

Notaram?: Os ipês floriram mais fortemente este ano. Dois deles que tenho no terreiro lá de casa, chamados doravante de Esaú e Argemiro, disseram, depois de se abrirem em flor, que a seca acabou, que a chuva chegou e que tudo se renovou. E que também todos serão diferentes nas existências particulares de cada ser do cerrado. Mais importante, nossa esperança rebrotou. Mais importante pois a esperança é o desejo se efetivando no presente do indicativo.
Estes dias tenho encontrado participativamente os dois poetas. Dei-me conversando com árvores..., coisa de pessoas do mudo psi, mas também de todo mundo.
E se só eu senti a presença no ar do nosso Argemiro… aquele que hoje fez o nosso Ar que geme e eu o miro, Argemiro, tentando achá-lo no invisível. Digo então: Argemiro, obrigado por nos ter oxigenado de amor gratuito. Argemiro, tu és nossa inveja que se tornou só admiração logo que entendemos sua heroicidade e seu devenir para sábio homem.
Agora, só me resta pedir a inscrição na cadeira, dado que só temos o presente para mudar nossas vidas, pois o presente controla o passado e por consequência a história. E o passado controla o futuro pois este é concebido nas nossas mentes a partir da experiência passada. Portanto aviso-lhes, acompanhado de Esaú e de Argemiro, que a chama da vida queima rápido e só temos o presente momento para fazer nossa existência, de preferência com equidade, fraternidade e liberdade.
Muito obrigado pela atenção!

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